quarta-feira, 29 de maio de 2013

Cronicas do Viajante #3 - Experiência, sensações e confusões conceituais

— Você tem que assistir esse video.
— Eu vejo depois.
— Poxa, é muito engraçado. No meio da música ela começa a sapatear mas quem está fazendo o som é o percussionista.
— Cara, você não devia ter me contado isso. Estragou a experiência do video pra mim.
— Seu conceito de experiência está muito errado.


Esse é um trecho de um dialogo que tive a algumas semanas com minha irmã. Isso se tornou um assunto de certa forma recorrente. Eu coloco o "de certa forma" pois 99% das pessoas com quem convivo não conversam comigo quando se torna um debate. Eu não sei se eu sou incrivelmente insuportável ou se uma conversa é algo realmente tão difícil de se ter. Prefiro acreditar que o problema é comigo pois crer que as pessoas não possuem mais tempo ou pior, vontade de conversar e discutir sobre algo me entristece e amedronta.

Anyway, isso, como todas as situações de confronto, me levou a me questionar sobre o que é realmente a experiência.
Experiência (tenho que parar de escrever essa palavra) sempre significou pra mim a forma como determinada situação é absorvida por determinada pessoa. Trocando em miúdos, sempre foi o que se sente diante de uma situação, não importando o que seja ou como seja. Um almoço em família, uma prova na escola, ser apresentado a uma pessoa. Tudo é experiência.

Por tudo sê-la, ela se torna mutável, perfeitamente modificável por fatores diversos, sejam eles seu próprio conhecimento, educação, criação ou o fato de um elemento alheio a você estar presente ou não.

Algumas das minhas vivências mais intensas estão atreladas a cinema, música e literatura, que são minhas paixões verdadeiras. Quero contar algumas para contextualizar melhor minha opinião.

Agora em maio, eu fui levado a um show por duas amigas. Eu não conhecia nenhuma das duas atrações. Eu confesso que só fui pois pagaram meu ingresso e porque estava com muitas saudades das duas. Durante o show do Teatro Mágico, banda que fechou a noite, eu entrei em um estado de frisson que nunca antes tinha sentido em uma apresentação musical. Já assisti todas as minhas bandas favoritas no palco, a maioria delas estando na grade bem próximo a eles e em duas ocasiões, podendo tirar fotos com uma delas mas nunca antes eu tinha presenciado um espetáculo como aquele. Foi simplesmente incrível e de me tirar lágrimas dos olhos.

Há dois anos, foi lançado um filme chamado Drive, com Ryan Gosling. Assisti ao filme na primeira vez e não gostei muito. Não sei se meu estado psicológico na época, a forma como o filme se vendeu ou se meu entendimento possivelmente raso do filme e, porque não, de dramaturgia na época influenciou nisso mas eu não havia gostado. Na manhã seguinte, eu escutei o Rapaduracast sobre o filme e depois de ouvir o Saldanha falar, decidi que ao fim do dia assistiria de novo. Dessa vez, eu quase chorei e depois desse dia, assisti ao filme mais duas vezes e todas as vezes me emociono com ele.

No livro O Nome do Vento (resenhado aqui), há uma passagem na qual Kvothe vai se apresentar na Eólica e resolve tocar a mais difícil das peças já compostas na mitologia da série. Enquanto ele toca, as pessoas começam a interagir com a música. Vibrar, cantar junto. Eles se tornam um naquele momento. Um rival de Kvothe usa uma das habilidades ensinada na universidade que frequentam para sabotar a apresentação, arrebentando-lhe uma corda do alaúde. Naquele momento, Kvothe se lembrou de coisas de seu passado e terminou a música mesmo com uma corda a menos, com a execução mais primorosa já vista. Enquanto lia esse capítulo, fui tomado por uma euforia e empolgação gigantescas e quando terminei, fechei o livro, fechei meus olhos e, na cama em que estava deitado, fiquei sorrindo durante vários minutos sem nenhum motivo aparente para os outros.

Meu questionamento é: e se eu não estivesse nas condições propicias para que essas situações ocorressem da forma como ocorreram comigo? A minha experiência poderia ter sido alterada se eu tivesse conhecimento prévio do trabalho do Teatro Mágico? Se eu tivesse assistido Drive pela primeira vez hoje, às cegas, depois de ter passado por tantas coisas nesses últimos anos, teria aproveitado o filme de uma forma diferente? Se eu não fosse um músico apaixonado, se fosse qualquer outra pessoa sem esse background que eu tenho com a arte, teria eu sentido tanta emoção durante minha leitura?


Eu poderia citar tantas outras situações que aconteceram comigo mas eu prefiro acabar por aqui. E vocês, leitores (se é que ainda tem algum por aqui)? O que vocês pensam sobre isso? Já tiveram alguma experiência com algum tipo de mídia ou situação pessoal que acreditam que teriam reagido diferente se as condições não fossem as mesmas? Meu conceito de experiência está errado ou turvo? Eu realmente gostaria da opinião de vocês. Deixem nos comentários do post pra conversarmos. Forte abraço.

3 comentários:

  1. A experiência é algo mutável, porque nós e todo o universo somos essencialmente e estruturalmente mutáveis. Tudo prima por uma constante interação, como se "Deus" - ou seja lá como ache melhor denominar este ser inconcebível onde todos vivemos dentro - necessitasse dessas experiências o tempo todo, como forma de continuar evoluindo.
    De meu ponto de vista, sua irmã está certa e errada, simplesmente porque o seu ponto de vista também não deixa de ser relativo, apesar de ela ter se colocado como uma pessoa que estivesse vendo tudo de fora. Talvez ela também devesse parar e pensar direitinho, pois mesmo a colocação dela é relativa e mutável.
    Sobre o conceito de experiencia, penso que você pegou o caminho certo, mas é quase impossível fomentar isso de fora concisa sem buscar a razão para que ela seja tão necessária. Já pensou sobre isso? Por que temos esta ânsia por experiencias? Será que não é porque seguimos os mesmos passos de nossa essência original, que busca expandir e, consequentemente, evoluir de alguma forma?

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  2. Poxa, nerdão. Concordo inteiramente com você, experiência é um lance pessoal e ponto final. Mesmo que eu assista determinado filme, com determinada pessoa, ambos com o mesmo conhecimento prévio sobre a obra e, com níveis semelhantes de desapego(sim Homem de Ferro 3, estou falando sobre o senhor...), cada um vai sair de lá com diferentes níveis de contentamento. Tudo bem que já tinha sido um dia escroto e só estava piorando, mas conseguimos assistir e chegar a conclusão de o filme é muito bosta. hUAhAUhAuahaUHAUAhauahUAHAUAHA

    A diferença é que cada um lidou com isso de uma maneira diferente, não foi a melhor experiência do mundo, mas eu saí de lá muito menos chateado do meu ilustre companheiro de crime...

    Eu procuro assistir/ler sem buscar muitas opiniões, apenas talvez aquelas bem básicas do tipo "achei legal, você deve gostar". Quando as pessoas começam a jogar suas impressões sobre determinada obra, em cima de você, acaba que isso influencia a sua vontade de seguir em frente, não é como se você fosse achar o mesmo que a pessoa, só por ela ter falado tanto no seu ouvido, eu consigo ignorar fortemente a opinião dos outros e achar as coisas muito boas ou muito ruins independente do quanto eles falarem no meu ouvido, mas admito que me sinto menos ou mais motivado à assistir/ler dependendo do que me é dito.

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  3. Primeiro ponto no qual eu concordo: Sim, você é incrivelmente insuportável :3
    Falando sério agora... Sim, é claro que eu concordo com seu conceito de “experiência” . Certamente ela poderia variar de acordo com a visão de mundo que cada um adquire.
    Inclusive, tem um filme muito interessante que fala sobre isso. Não sei se você já assistiu, se chama “Cloud Atlas” (seria legal se você fizesse uma resenha sobre ele, inclusive). Ele conta a história de 6 personagens e suas ações diante das mais variadas realidades (época, país, idade, meio em que vive, etc) e mostra como um herói, cheio de princípios, poderia facilmente ser um assassino frívolo em outras circunstâncias. Na verdade, o filme fala sobre formação de personalidade, mas certamente se torna oportuno ao assunto, já que cada experiência depende da visão de mundo e personalidade de cada um. Recomendo.
    Agora falando sobre as minhas experiências, poderia compartilhar Y situações, como por exemplo essa bem bobinha, já que a canção não me sai da cabeça:
    Dia desses eu assisti ao filme “A Escolha perfeita”. Tem uma cena do filme em que a protagonista vai fazer uma audição e ela canta uma música e faz o acompanhamento (mexe e batuca) com um copo. Ao assistir eu não conseguia parar de falar mentalmente “Nossa- que- ma-nei-ro... Simples e genial! ”. Voltei à cena umas 3 vezes.
    Um ou dois meses depois, no último sábado eu liguei a televisão e vi a Mariana Rios cantando a mesma música no Caldeirão do Huck. Pensei “Hm, a cup song...ah, tá.” . Não achei mais tanta graça. Era a mesma canção, a mesma coreografia e sequência de batuques nos copos. A única diferença era a tonalidade da voz e o acompanhamento à capella (ficou até mais bonita, diga-se de passagem). Simplesmente houve uma modificação na minha reação, não apenas por eu já ter conhecido a música, mas porque o batuque dos copos (que havia chamado a minha atenção)não era mais novidade pra mim. Se eu porventura viesse de um lugar onde cup songs fossem comum desde sempre, eu jamais teria sentido essa emoção ao assistir a tal cena do filme.
    Pois é, eu realmente poderia falar muito mais, mas ficaria uma narrativa enorme... e como o meu comentário já ficou maior que o seu próprio texto (embora eu já tenha feito cortes e resumos), eu vou ficando por aqui.

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